Sonia: seus ursos, namorado e um Circular Sul pela frente
- Joao Otoni
- 17 de jun. de 2018
- 4 min de leitura

Silêncio, hoje é sexta-feira. Sonia Andrade precisa escrever. Isso soa como um esforço e até perda de tempo, se não levarmos em conta que a jovem, hoje com 25 anos, redige seus poemas (e adora fazer isso) desde os 15. Da alegria de um presente inesperado até a sua primeira desilusão amorosa: tudo era registrado em seu diário. Os temas variavam de acordo com o seu estado emocional no momento em que a curitibana escrevia.
Bob e Lulinha: fãs número 1
No início, muito tímida, Sonia costumava ler seus poemas para si. O mais perto que ela chegou de uma plateia fora os ursinhos de pelúcia guardados por ela até hoje. Na época, Bob e Lulinha acompanhavam todo o processo de criação da estante do quarto. A então garota chegava da escola já com alguns textos na mão, (estes que ela fazia durante o intervalo na biblioteca). Depois, ia para o seu quarto, posicionava uma cadeira em frente aos seus ursinhos e começava a ler, sempre sussurrando e com a porta trancada. Era assim que Sonia treinava. A cena se repetiu inúmeras vezes, tantas que ela mesma perdeu as contas. Bob e Lulinha foram, por um longo tempo, apreciadores de poesia e fãs de carteirinha da garota. Com o natural amadurecimento, tanto de Sonia quanto de seus textos, os ursinhos aos poucos foram deixados de lado. Hoje os dois escutam apenas o abrir do armário onde eles estão guardados.
Dos ursos para o namorado
Sonia sempre levou muito a sério seus poemas. Por isso, sabia que precisava evoluir. Engoliu a timidez e passou a recitá-los aos seus familiares. A curitibana descobriu então dentro de si um talento de tocar o mundo a sua volta. Hoje, apesar de tímida, Sonia não precisa dizer sequer uma palavra para emocionar as pessoas por onde ela passa.
Para isso, ela conta com a ajuda de Ricardo Alpendre, 23, seu namorado há 3 anos. Quando os dois se conheceram e começaram um relacionamento, Ricardo foi quem passou a ouvir por primeiro os textos de Sonia. Com a correria do dia a dia os dois optam por discutir os poemas somente nos fins de semana. O processo que os dois adotaram com o tempo funciona da seguinte maneira: Sonia escreve algum poema e pede que seu namorado o leia para dar uma primeira opinião. Após Sonia refazê-los com base na orientação de Ricardo, os dois reservam todas as manhãs de segunda a sexta-feira para divulgá-los. Ricardo é quem recita os poemas da namorada em voz alta, na linha de ônibus Circular Sul, mesmo ônibus que ele utiliza para ir à sua faculdade, onde atualmente cursa o 5º período de Direito.
Fones de ouvido: inimigo à vista
Cada pessoa que entra é uma oportunidade. Foi assim que Sonia, com o apoio de Ricardo, justificaram a escolha por recitar os poemas via transporte público. Ao contrário do que os passageiros da linha citada estão acostumados, os dois querem apenas divulgar o seu trabalho, sem fins lucrativos. O maior desafio do casal sempre foi conseguir atrair a atenção do famoso “público dos fones de ouvido”. Foi a partir de então que surgiu a ideia de não só recitar os poemas, mas também imprimi-los e distribuí-los a todos os passageiros que estão ouvindo música. “É como se estas pessoas recebessem uma segunda chance, de ler o melhor poema de suas vidas”, brinca Sonia, aos risos.
Transformando o mundo em poesia
Nas tardes Sonia trabalha em sua pequena loja de roupas, localizada próxima ao centro de Curitiba. Carrega todos os dias consigo um pequeno caderno com alguns rascunhos que ela costuma fazer nas horas vagas. Apesar de escrever todos os fins de semana no silêncio do seu quarto, o barulho da cidade também já lhe rendeu bons textos. Muitos dos poemas escritos por ela surgiram em suas pausas para o almoço. Todo dia Sonia senta e tenta organizar suas ideias no papel. No pouco tempo que resta antes de voltar a trabalhar, ela faz da fachada de sua loja, seu estúdio de criação. Sonia credita seu motivo de inspiração no mundo ao seu redor. Para ela, o poder de escrever poemas está em tocar o coração alheio com as coisas mais banais do dia a dia.
Sonia: a “cariótibana”
Entrevistando Sonia, percebi que apesar de curitibana, a jovem carregava consigo um sotaque não condizente com sua terra natal. Palavras como “ônibus” e quaisquer outras que terminavam em “s” me chamaram a atenção. Precisei interrompê-la num certo momento e, movido pela curiosidade, perguntei em tom de brincadeira, de onde ela realmente era. Ela riu. Depois me explicou que apesar de Curitiba ser sua cidade natal, é filha de cariocas. Pedi a ela que me recitasse um poema, e apesar de tímida, a jovem assim o fez. Folheou seu caderno de rascunhos até que encontrou um poema que ela intitulou de “poesia”.
Assim como Sonia e Ricardo, há por toda Curitiba outros recitadores de poemas em atividade. O casal sabe que a ideia não é tão original assim. Mas, para os dois, o intuito não é inovar, mas divulgar através da arte, como eles enxergam o mundo. Ricardo e Sonia desejam transformar o ônibus num local de reflexão.
Sônia se emociona ao lembrar da sua relação com a poesia e toda a sua trajetória: dos papéis para os ursinhos; dos ursinhos para a família; da família para o namorado; do namorado para o ônibus. Ela acredita que ainda pode fazer mais e busca, com a ajuda do namorado, alcançar o coração de cada passageiro da linha Circular Sul. Afinal, conforme citado por Sonia anteriormente: “cada pessoa que entra é uma oportunidade”.
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