Vida paralela a cidade grande
- Bruna Gazabin
- 12 de abr. de 2018
- 4 min de leitura

Ana de Brito viveu em Araucária durante 23 anos de sua vida. Morava com sua mãe, irmã e avó. Era uma garota carismática e em todas as viagens de ônibus fazia amigos. Com o passar dos anos, a sua rotina cansativa a tornou uma pessoa mais fechada. Sem conversar com ninguém, usa todos os dias o fone de ouvido para escutar a rádio local.
Sua mãe, Noeli, sustentava a casa sozinha e com isso teve de ensinar suas filhas a começarem a se virar sozinhas bem cedo. No entanto, sempre foi uma mãe super protetora. Ela sabia, que se uma de suas filhas ligasse a cobrar do orelhão, já que em sua casa não tinha telefone, algo de errado tinha acontecido. Mesmo depois das suas filhas terem crescido, até hoje Noeli espera elas no portão de casa quando estão para chegar da faculdade ou da escola.
Na rua de sua casa, a maioria das crianças que moravam ali eram meninas. Ana lembra que brincava na rua até tarde da noite, jogava bets e vôlei com suas vizinhas. Com 10 anos ela já fazia viagens sozinha de ônibus, de Araucária até Curitiba, para encontrar sua mãe depois do trabalho.
O bairro era seguro, ela, porém, preferia evitar alguns locais. Ela lembra também que existia uma pista de skate e durante alguns anos o local ficou em reforma, devido a esse fato ocorreram mais de oito mortes lá.
INFÂNCIA
Na época de Ensino Médio, Ana ia para a escola de ônibus escolar, cedido pela prefeitura. O ônibus era pequeno, na cor branca, com faixas azuis e vermelhas.
Porém, ela morava no bairro Jatobá e o ônibus passava no bairro Itaipu, bairro próximo a sua casa.
Ela e sua amiga Vanessa tinha que andar cerca de oito quadras até a parte mais alta do bairro para chegar no ponto e poder ir para a escola. Isso aconteceu por 4 anos, pois Ana reprovou no 1° ano do Ensino Médio.
Todos o dias, ela saia de casa 6h45 da manhã, para começar a sua rotina de chegar na aula a tempo.
Esse transporte escolar era dividido entre duas escolas. A Escola Estadual Fazenda Velha e a Escola Estadual Professor Júlio Szymanski, ambas localizadas no centro de Araucária.
Ana passou por situações que teve de ir a pé, na verdade correndo, quando perdia a sua locomoção matutina. Dentre duas opções, uma escolha tinha que ser feita: ou ela pagava a passagem de um ônibus local até a escola, ou então comprava um lanche no intervalo. Claro que a opção mais viável era comer.
A EXPERIÊNCIA DA MAIORIDADE
Agora mais velha, com 19 anos, ela começou a frequentar a Soba (Sociedade Operária Beneficente de Araucária), onde aconteciam várias festas noturnas. A mesma rotina, que tinha na época de escola, ela continuava a fazer. Ia de ônibus para a balada. Segundo Ana, a situação era um tanto quanto estranha.
A frota era escassa e ela tinha dois horários se quisesse sair a noite. Podia escolher 21h15 ou 22h45. No ônibus mais cedo, ela achava ruim pois quando chegava na balada estava vazia ou com poucas pessoas no local. Geralmente ela ficava no cachorro quente ou sentada em frente do posto de gasolina, que era ponto de encontro. Normalmente uma Coca-Cola e alguma bebida alcoólica para misturar, já eram suficientes para aquecer um corpo que não aguentava mais esperar pelo momento de diversão. Esse local cada vez mais enchia de amigos para fazer o consagrado esquenta para a balada.
Na hora da volta, já era cerca de duas ou três horas da manhã. Porém, diferente de Curitiba, que existe o ônibus madrugueiro, em Araucária não existia essa possibilidade.
Os primeiros ônibus que começavam a circular eram por volta das 5h30 da manhã. Ana e mais algumas pessoas que estavam na balada se juntavam e voltavam a pé. Durante cerca de três horas de caminhada de volta para casa, era quase inofensivo andar alguns quilômetros, para quem tinha bebido mais de três cervejas.
A cidade tem umas das noites mais importantes e tradicionais, a Festa do Pêssego e do Ovo. Ela conta que participava de todas as edições, porém lembra que a volta para casa era demorada, devido a grande quantidade de pessoas que também utilizavam o ônibus como transporte.
VIDA ADULTA
Ana começou a cursar pedagogia. A distância entre sua casa e a faculdade era cerca de 25 quilômetros. Como estudava de manhã, era necessário sair de casa 5h30 e pegar três ônibus para ir para a aula.
Sua trajetória começava com o ônibus Triar. Apesar de fazer uma rota bem longa ao redor de todo o seu bairro, era a única opção que ela tinha. No terminal, Ana pegava o Araucária sentido Portão. Chegando no bairro de Curitiba, tinha uma infinidade de ônibus que faziam conexão até a sua faculdade.
Mesmo sendo cedo e muitas vezes o céu ainda estava escuro, ela encontrava gente cantando, drogada, bêbada ou meros trabalhadores. Pessoas de todos os tipos.
Certo dia, ela estava exausta por conta da sua rotina cansativa e entrou no ônibus. Estranhou que havia um lugar vazio e várias pessoas ao redor estavam em pé. Sem questionar, ela se sentou. E quando olhou para o lado tinha um homem, com as mãos entrelaçadas e tortas, com a pupila dilatada e olhar arisco. Ela se sentiu incomodada, vendo todos aqueles passageiros a encarando e pensando “ou essa mulher é louca ou não percebeu que esse homem está drogado”. Apesar do medo, nada aconteceu.
Alguns anos depois Ana se mudou para Curitiba e se deu conta que sua cidade, mais do interior, era realmente pequena comparada com a grande capital. Hoje ela mora com seu noivo e adquiriu um carro, assim nunca mais teve que usar o transporte público para se locomover.
A rotina de ônibus que sua mãe tinha, foi passado para Ana. Que levou por muitos anos, esse modo de transporte como o seu melhor aliado. Agora o fardo foi passado para sua irmã mais nova. Assim como Ana, terá muitas experiências daqui pra frente.
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