Prostituição, a “chance” de ter uma vida melhor
- Cris Souza
- 12 de abr. de 2017
- 5 min de leitura

Lolita, 27 anos, 1,70 de altura, morena, cabelos longos e pretos, corpo escultural, ativa e passiva. Essa pode ser uma breve descrição de Mariana Antunes em um site de garotas de programa. Mas ela mais que isso. Ela enfrenta o preconceito, a violência, a falta de oportunidades no mercado formal de trabalho, e mesmo assim corre atrás dos seus sonhos e espera conseguir uma vida melhor através dos estudos.
Entre as mulheres transexuais, o preconceito é um dos motivos que dificulta suas colocações na sociedade. Podemos perceber isso pelas oportunidades de trabalho que lhes são oferecidas: de acordo com os dados da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais do Brasil), 90% das mulheres trans acabam se prostituindo. Um dos fatores que as levam a escolher essa forma de trabalho é justamente a falta de oportunidade no mercado, que não reconhece suas identidades.
A principal dificuldade para Mariana em ser uma garota de programa em Curitiba, é o frio. Os finais de semana também não são considerados bons para as garotas. O motivo? Segundo ela, “os filhinhos de papai saem, bebem e as trans acabam sendo alvo”. Dentro do carro, eles ficam dando voltas na quadra, gritando, xingando, isso quando não têm comportamentos piores. “Eles jogam ovos na gente, sacola com fezes, abrem o extintor para sujar nós com o pó”.
Ela não entende porque eles vão lá para tirá-las do sério, pois estão apenas trabalhando. “Tem uma pegadinha na internet em que o rapaz coloca uma peruca e vai provocar as meninas na rua. Para que? Para que nós fizéssemos escândalo e isso fosse parar na internet. Aí a sociedade julga: olhem as bandidas, as escandalosas”.
A NOITE NA RUA
A preparação para ir para a rua começa por volta das 20h. Ela toma banho, faz uma bela maquiagem, escolhe a dedo uma roupa que vá chamar a atenção dos clientes. O mais importante: arrumar sua bolsa com os preservativos e um rolo de papel higiênico.
Depois de tudo pronto é hora de ir. “Lá eu fico parada na esquina, nas quadras mais escuras. Os caras passam de carro e perguntam quanto você cobra. Os clientes que me conhecem já vão direto ao lugar em que fico habitualmente”.
A ROTINA DE TRABALHO
Muitos contatos de Mariana vêm de um “site”. Antes de ser conhecida por suas fotos na internet, ela ainda ficava na Rua Getúlio Vargas para conseguir clientes. “Eu ficava lá até três, quatro horas da manhã. Dependia da minha disposição”. Para conseguir participar desse site é preciso fazer uma sessão de fotos. A partir daí os clientes ligam perguntando quanto ela cobra, o que ela faz, se é ativa ou passiva. Atualmente, ela atende os clientes em casa.
Mesmo com frio, chuva, calor, ela está lá. Nunca gostou de trabalhar nua.
Atende em média de três a quatro clientes por dia. “Nossa vida é igual a um comércio. Em um dia você faz bem, no outro dia você não faz nada. Então tem que guardar dinheiro dos dias que rendem”.
OS DONOS DA RUA
Em muitos lugares as meninas precisam “pagar a rua”, ou seja, quem manda na rua acaba não deixando que elas façam seu trabalho se não pagarem o valor pedido. Os donos da rua agem como se fossem um cafetão, alguém que quer governar o local. “Se não pagar a rua, você não fica e corre o risco de ser agredida”. A única rua em Curitiba que não precisa “pagar para ficar” é a Rua Cruz Machado.
O PRIMEIRO PROGRAMA
A primeira vez que se “vendeu” foi porque estava precisando muito de dinheiro. Na ocasião morava com sua avó e não estava conseguindo emprego. “Um homem insistiu para sair comigo e eu não sabia nem quanto cobrar na época. Ele me deu 50 reais e era só nisso que eu pensava”. A segunda vez em que se prostituiu foi por causa de um amigo. “Ele conheceu um cara que vendeu drogas para ele e para pagar essa droga eu tive que me prostituir”.
MENINO E MENINA
A descoberta de sua sexualidade veio com o tempo, como acontece com todo mundo. “Na minha época que não tinha muito esclarecimento, primeiro eu era um gay, depois eu era travesti e agora que sou trans”. Seu grito de liberdade foi aos 17 anos.
A cirurgia de redesignação (troca de sexo) não é importante para Mariana, pois não faz com que ela sinta-se mais ou menos mulher. “É apenas um órgão genital para mim e as pessoas que me procuram gostam de mim do jeito que eu sou, do que eu tenho”.
A “BOMBADEIRA”
Para ficar com o corpo mais feminino e não gastar tanto, elas recorrem à aplicação clandestina de silicone industrial, mesmo sabendo dos riscos. A “bombadeira” compra os produtos, marca um horário na casa da cliente e vai fazer a aplicação. Sem nenhum tipo de esterilização. “Ficamos deitada e ela amarra nossa cintura. Aplica uma anestesia e começa a ‘bombação’ que demora umas sete ou oito horas”.
A GAROTA TRANS
Por ser transexual a falta de respeito por parte dos clientes é maior. “Ao mesmo tempo em que somos muito procuradas, somos vistas como anormal.”. As prostitutas transexuais são muito mais procuradas do que as mulheres. As pessoas que as procuram são de todas as idades: dos mais novos aos mais velhos, dos solteiros aos casados. Inclusive a maioria dos clientes tem parceira fixa. A faixa etária fica entre os entre 20 e 50 anos.
O PRECONCEITO DA SOCIEDADE
Para a mãe de Mariana “travesti só serve para trabalhar como puta”. E para ela nem sempre foi assim. Mari estudou, completou o segundo grau e hoje faz um curso técnico de Enfermagem no período da manhã. Isso faz com que ela se sinta mais próxima da realidade, interagindo com mais pessoas. “Gosto de interagir com o mundo heterossexual digamos assim”.
A sociedade não aceita, não acolhe aquilo que julga diferente. “Hoje a sociedade tem um pouco mais de aceitação e isso me deixa feliz”. A família aceita sua opção sexual, mas são afastados. “Eles só me ligam quando aparece uma notícia de que morreu um travesti. E só ligam porque pensam que pode ser eu”.
O SONHO DESFEITO
Ela sonhava em casar e formar uma família até seus 25 anos de idade. Mas o sonho tornou-se um pesadelo: foi traída e roubada pelo ex-marido. “No final do relacionamento ele falou que eu nunca ia dar uma família para ele, que eu não era mulher de verdade e a família dele me menosprezou porque eu não era mulher. Ou seja, eu era um monstro”. O marido nunca fez com que ela se sentisse amada e depois da separação, estando carente, começou a conhecer muitos rapazes. “Eles queriam me ver de madrugada e só me encontravam em motéis. Não queriam nada sério, só transar comigo”.
A RECOMPENSA
Mariana não pretende deixar a prostituição por enquanto. Ela estuda para que não precise ter uma velhice sofrida, como muitas transexuais que se prostituem por pouco dinheiro. Com o que ela ganha diariamente, consegue ter uma vida tranquila e sonha em fazer um curso de teatro, que é uma de suas paixões. E a pergunta que não quer calar: qual a recompensa da sua profissão? Para ela o que vale a pena “é o dinheiro, a tranquilidade e a possibilidade de conhecer pessoas legais”.
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